30/03/1973: Democrata -GV 0x3 Cruzeiro
terça-feira, 7 de janeiro de 2014
Democrata GV 0x3 Cruzeiro
Motivo: Amistoso
Gols: Evaldo (2), Ander
Democrata: Juvenal, Zelito (Hélio), Bentinho, França e Jairo (Cotinha); Luizinho (Mauricio), Roberto Felipe (Paulo Mariante) e Wellington; Zeca (Carlinhos), Dé e Piolho.
Cruzeiro: Vitor; Pedro Paulo, Camilo (William), Misael e Geraldo Galvão; Toninho Almeida, Pirulito e Aender; Garrincha (Alexandre), Evaldo e Joãozinho.
Do Globoesporte.com
Em 1973, Manuel Francisco dos Santos, o Mané Garrincha, já não era mais jogador de futebol profissional. A carreira, que começou no Botafogo, em 1953, foi encerrada no Olaria, em 1972, após apenas dez partidas no clube do subúrbio carioca. Na verdade, em 1973, Garrincha era só uma sombra do homem que encantou o mundo e foi peça fundamental na conquista do bicampeonato mundial pela Seleção Brasileira, no Chile, 11 anos antes. Vítima do alcoolismo e com problemas crônicos nos joelhos, Mané perambulou pelo Brasil, fez jogos amistosos, em busca de algum dinheiro para amenizar os sucessivos fracassos nos negócios. Garrincha morreu em janeiro de 1983 (relembre no vídeo), com o corpo consumido pela cachaça e, mesmo que não visse graça nem acreditasse em si mesmo, manteve acesa a chama, a magia e o poder de encantar o povo até os últimos dias.
Em um desses jogos Brasil afora, no citado ano de 1973, Garrincha vestiu a camisa de um dos maiores clubes do país, o Cruzeiro, em uma história que é pouco conhecida e lembrada nos dias de hoje e, como quase tudo na vida de Mané, repleta de aspectos curiosos.
O Cruzeiro disputava a Taça Minas Gerais com o time principal. Convidado para um jogo festivo contra o Democrata-MG, em comemoração aos 35 anos de emancipação política de Governador Valadares, mandou para a cidade um time misto, reforçado por nomes como Evaldo, que se recuperava de contusão, e Joãozinho, que se tornaria o maior ponta-esquerda da história do clube, então com 18 anos. O expressinho cruzeirense foi comando por Benecy Queiroz, preparador físico na época e atual supervisor de futebol da Raposa.
A principal atração da festa era a presença de Mané Garrincha, que jogaria pelo Democrata-MG. Isso, somado à popularidade do Cruzeiro no leste de Minas, lotou o estádio e encheu a torcida local de expectativa. Acontece, porém, que o técnico da Pantera, no dia anterior ao jogo, anunciou que não escalaria Garrincha em seu time, sob a alegação de que Mané não havia feito sequer um treino com os companheiros. Dirigentes do clube teriam dito que o Democrata-MG não pagaria um centavo para ter o jogador em seu time, e que ele é quem deveria pagar se quisesse jogar pela Pantera
Com o bicampeão mundial barrado, os organizadores do evento se viram enrascados, já que os torcedores estavam ansiosos para ver Garrincha. A solução, então, foi tentar encaixá-lo no Cruzeiro. Uma pequena comitiva foi até o hotel do time da capital, para tentar resolver o impasse.
Na verdade, não houve impasse nenhum. O Cruzeiro aceitou prontamente ter Garrincha no time.
- Garrincha me perguntou o que era para fazer em campo. Disse pra ele jogar tranquilamente. Dei a camisa do Cruzeiro para ele, que atuou bem. Ele era muito humilde, tanto que veio perguntar o que tinha que fazer - disse o então técnico Benecy Queiroz.
Luizinho, capitão do Democrata, poderia ter sido colega de Garrincha por um dia. Mas foi adversário.
- O Cruzeiro contava com jogadores como Vítor, Pedro Paulo, Misael, Aender, Toninho Almeida, Evaldo e Joãozinho. Por uma divergência com versões diferentes na época, Garrincha jogou pelo Cruzeiro, que venceu por 3 a 0, com dois gols de Evaldo e um de Aender - recorda.
Garrincha entrou em campo com a camisa da seleção brasileira e foi ovacionado pela torcida valadarense, que ainda não sabia que ele jogaria pelo Cruzeiro. O craque tirou a camisa amarela, a entregou para Luizinho e revelou a camisa azul com a qual jogaria. O público não perdoou e deu uma longa vaia nos dirigentes do próprio time, já que a negativa da Pantera em ter Garrincha já era noticiada pelas emissoras de rádio.
- Ouviu-se na oportunidade uma das mais estrondosas vaias do torcedor valadarense - lembra Luizinho.
Benecy Queiroz até hoje não entende a atitude do time de Governador Valadares. E comemora que tenha sido assim.
- Não consigo entender por que eles perderam a chance. Quem ganhou foi o Cruzeiro. O Garrincha nos foi apresentado duas horas antes do jogo. Ele nem chegou a almoçar conosco, já foi direto para o estádio. Foi uma surpresa. Na verdade, ficamos gratos por ter um jogador da grandeza de Garrincha no Cruzeiro.
Luizinho ficou pasmo com a situação. E passou a se questionar se poderia ter feito algo para mudar aquele panorama.
- Fiquei pensando se a culpa de ele não ter jogado com a camisa do Democrata era minha. Porém, estava muito feliz de estar ali do lado de um ídolo, bicampeão mundial. Eu já havia jogado contra ele pela primeira vez em um amistoso entre a seleção carioca e a de Valadares, em 1969, e tinha sido muito gratificante - relembra Luizinho, que hoje é advogado e professor.
Garrincha jogou apenas o primeiro tempo e, mesmo longe de ser brilhante, encantou companheiros de time, adversários e torcedores presentes ao estádio, simplesmente por ter participado da partida. Mané viveria apenas mais dez anos e, durante todo esse tempo, não teve paz, já que nunca teve forças para abandonar a guerra contra o álcool, que o dizimou aos poucos. Aos olhos do povo, porém, Mané sempre foi sinônimo de alegria e diversão. Se não teve paz durante a vida, conseguiu depois de morto. Pelo menos é o que está escrito em seu epitáfio, na cidade onde nasceu, em Pau Grande-RJ:
“Aqui descansa em paz aquele que foi a alegria do povo".
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